Carlos Gomes com 20 anos já titular da baliza leonina, sucedendo a Azevedo.
(Separata da revista "Mundo de Aventuras", 1952)
A propósito da recente contratação de Carlos Martins e de Jorge Ribeiro por parte do clube espanhol Granada, recém promovido à 1ª Liga de Espanha, o Armazém Leonino recorda hoje uma outra transferência de um jogador português para este clube espanhol, precisamente o grande e inesquecível guarda-redes leonino Carlos Gomes (18/1/1932-17/10/2005), cuja vida atribulada e acidentada, dentro e fora dos relvados, teria dado certamente um bom filme!
No final da época de 1957/58, após se ter sagrado, pela 5ª vez, campeão nacional pelos "leões", Carlos Gomes, então com 26 anos, abandona o clube leonino descontente e em desacordo relativamente ao baixo ordenado que recebia no Sporting. Após um longo e intenso "braço-de-ferro" com os dirigentes leoninos e não tendo sido possível ultrapassar as profundas divergências financeiras, Carlos Gomes acaba por se transferir para o futebol espanhol, mais concretamente para o Granada (treinado por um antigo técnico leonino, o argentino Alejandro Scopelli), onde veio a auferir uma remuneração oito (!) vezes superior à que tinha no Sporting.
Chegava assim ao fim a carreira de Carlos Gomes em Alvalade, após 8 temporadas (entre 1950/51 e 1957/58) em que conquistara 5 campeonatos nacionais (4 deles consecutivos) e uma Taça de Portugal (1953/54), sendo ainda finalista vencido desta prova por mais duas vezes (1951/52 e 1954/55). Durante o período de tempo em que permaneceu ao serviço do Sporting, Carlos Gomes não só conquistou títulos e honrarias, mas igualmente acumulou multas e suspensões fruto do seu temperamento rebelde, conflituoso e irreverente.
Carlos Gomes era um guarda-redes dotado de extraordinárias qualidades físicas e técnicas e com uma vocação fabulosa para o lugar, sendo aquilo a que se pode chamar um predestinado das balizas. Para além de possuir uma grande elasticidade e reflexos entre os postes, revelava igualmente uma enorme coragem e eficácia nas saídas da baliza, quer aos cruzamentos, quer aos pés dos adversários. Na verdade, Carlos Gomes foi um dos maiores guarda-redes que passaram pelo futebol português até hoje, sendo a par de Azevedo e Damas, um dos melhores guarda-redes leoninos de sempre.
É de lamentar a frequência e a quantidade de situações e de problemas, dentro e fora dos relvados, com que Carlos Gomes se teve de debater, os quais ensombraram e prejudicaram grandemente a sua carreira desportiva, pois estamos em crer que o guarda-redes leonino poderia ter realizado uma carreira fabulosa no futebol português. Condições físicas e técnicas para tal não lhe faltavam, faltando-lhe sim, maior ponderação, equilíbrio emocional e estabilidade psicológica para lidar com a pressão, sobretudo fora dos relvados.
Durante a sua permanência no Sporting e em Portugal, Carlos Gomes viu-se, por diversas vezes, a contas com a PIDE, devido às suas posições sociais e políticas contrárias ao regime fascista vigente em Portugal, mostrando um apurado sentido crítico e manifestando grandes dificuldades em conviver com esse regime de opressão e de censura (falta de liberdade de expressão e de opinião) que então se vivia no país.
Depois de uma época ao serviço do Granada, Carlos Gomes transferiu-se para o Oviedo, regressando a Portugal e ao Sporting, em 1961. Como as divergências contratuais com os dirigentes leoninos teimavam em manter-se, Carlos Gomes ingressou no Atlético, mas por pouco tempo, pois logo a seguir voltou a meter-se em sarilhos (foi condenado a 11 anos de prisão), tendo de fugir do país e exilando-se no estrangeiro durante mais de 20 anos, primeiro em Espanha e depois no Norte de África (Marrocos, Argélia e Tunísia). Regressaria a Portugal apenas em 1983, vindo a falecer em 2005, com 73 anos.
A carreira e a vida de Carlos Gomes mereceriam, de facto, uma reflexão e uma análise mais profundas, dada a complexidade do seu carácter e personalidade, por um lado, e da própria conjuntura e vicissitudes da época em que viveu, por outro. Não quero terminar este artigo sem deixar, no entanto, uma breve consideração pessoal a respeito do que poderia ter sido a carreira de Carlos Gomes e até onde este poderia ter chegado, caso este extraordinário guarda-redes tivesse permanecido no Sporting.
Em 1958, quando abandonou o clube leonino, Carlos Gomes tinha apenas 26 anos, tendo realizado 221 jogos em 8 temporadas (média de quase 28 jogos por época) com a camisola leonina. Por outro lado, Carlos Gomes era o guarda-redes titular indiscutível da Selecção Nacional, totalizando 18 internacionalizações (entre Novembro de 1953 e Maio de 1958). Estamos, pois, em crer que noutras circunstâncias, caso não tivesse estado envolvido em problemas de vária ordem, quer com o seu clube, quer com o regime político do seu país, Carlos Gomes poderia perfeitamente, dadas as suas extraordinárias capacidades, ter continuado como titular do Sporting e da Selecção Nacional por mais 7 ou 8 anos e, quem sabe, até poderia ter participado no Campeonato Mundial de Futebol em Inglaterra, pois em 1966 teria 34 anos, mais novo até do que José Pereira, titular da baliza dos "magriços". Quem sabe até se com Carlos Gomes na baliza, Portugal não poderia ter sido campeão do mundo!
É claro que tudo isto não passam de meras suposições que logicamente nunca puderam nem poderão vir a ser comprovadas, mas não resisto a fazê-las, pois tenho a firme convicção de que Carlos Gomes passou, como é comum dizer-se, ao lado de uma grande carreira no futebol português e, em particular, no Sporting, pois se em 8 anos de carreira em Portugal muito conquistou, muito mais poderia ter conquistado em outros tantos anos.
Na verdade, a História da carreira desportiva de Carlos Gomes nunca deixou de me intrigar e de estar presente nas minhas reflexões e pensamentos sobre o futebol português e, em particular, sobre o Sporting, pois sinto, como sportinguista, uma profunda mágoa, para não dizer revolta, deste fantástico guarda-redes, dos melhores de sempre do futebol português, não ter chegado mais longe na sua carreira, como as suas enormes qualidades faziam prever. Foi uma pena! Ficou a perder o atleta, o Sporting e o futebol português!
1 comentário:
Muito interessante, grande artigo! Como coleccionador de camisolas do Sporting, é também interessante logo a 1ª foto, em que a camisola não tem o emblema do Clube - são muto raras as fotos em que se vê que isso realmente aconteceu! Tenho uma de uma equipa dos anos 1930 em que mesmo alguns, poucos, jogadores de campo, também não têm o Leão Rompante ao peito, mas a maioria tem.
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