segunda-feira, 4 de maio de 2009

Portugal no México e o caso Saltillo


O Caso Saltillo foi uma rebelião e greve dos jogadores da selecção nacional de futebol de Portugal, durante o Campeonato do Mundo de Futebol de 1986, que se realizou no México. O nome deriva da cidade mexicana de Saltillo, onde a equipa portuguesa estava alojada. Para muitos dos amantes do futebol em Portugal, Saltillo representa uma das páginas mais negras e vergonhosas do desporto português.

Portugal passou vinte anos sem participar nas fase finais dos Campeonatos do Mundo de Futebol. A sua primeira (e única) participação remontava a 1966. Em 1984, Portugal chegou ao terceiro lugar do Campeonato Europeu de Futebol, e muitos comentadores esperavam que se viessem a reabrir as portas do grande futebol internacional a Portugal. As esperanças viriam a ser goradas.

Portugal qualificou-se para a fase final do Campeonato do Mundo no México com um segundo lugar no grupo de qualificação, um ponto só à frente do terceiro colocado (não apurado para a fase final), a Suécia, e após a Alemanha. A campanha de qualificação portuguesa foi deveras perturbada e muito irregular; a qualificação só foi assegurada no último jogo, com uma surpreendente vitória em Estugarda, frente à Alemanha por 1-0. Foi a primeira vez após 1945 que a Alemanha perdeu um jogo de qualificação em casa.

O sorteio para a fase final correu mal. Não tanto pelos adversários (Inglaterra, Polónia e Marrocos), mas pelo facto de dois dos jogos serem jogados a baixa altitude, em Monterrey e o terceiro em Guadalajara, a mais de 1.600 metros acima do nível do mar. Desta forma, a preparação para os possíveis jogos seguintes em altitude seria perturbada.

Não foi fácil a vida de José Torres, para escolher os 22 jogadores que iriam ao México. Rui Jordão, um dos melhores marcadores de sempre, tinha tido uma época infeliz, perturbada por conflitos no seu clube, o Sporting. Manuel Fernandes, o melhor marcador da época, tinha decidido alguns anos antes não jogar mais pela selecção.

A seleção foi anunciada a 19 de Abril de 1986:
Guarda-redes: Manuel Bento, Vítor Damas e Jorge Martins.
Defesas: João Domingos Pinto, António Morato, Pedro Venâncio, Augusto Inácio, António Veloso, José António, Frederico Rosa, Álvaro Magalhães e Luís Sobrinho.
Centro-campistas: Jaime Magalhães, Carlos Manuel, Jaime Pacheco, António André, António Sousa, Paulo Futre e José Ribeiro
Avançados: Diamantino Miranda, Rui Águas e Fernando Gomes.

Poucas horas da selecção partir para o México, anunciou-se que Veloso tinha tido um teste positivo por dopagem com Primobolan, um esteróide anabolizante. Ele foi substituído por Fernando Bandeirinha, que foi acordado de madrugada e enviado directamente para o aeroporto. O episódio criou bastante tensão entre os jogadores que acreditavam na inocência de Veloso, como mais tarde uma contra-análise viria a provar.

A selecção portuguesa tinha naquela altura o apelido Os Infantes por referência a um hino humorístico em sua honra, com letra de Carlos Paião, cantado por Herman José.

A própria viagem para o México foi fonte de dissensões. Em vez de irem directamente para o México, a Federação tinha escolhido voos com escala em Frankfurt, na Alemanha, e em Dallas, nos Estados Unidos. Nisto e noutros pormenores à chegada se verificava que a Federação Portuguesa de Futebol descuidava os aspectos logísticos e não se preocupava grandemente com a necessidade de repouso e de aclimatação à altitude. A selecção instalou-se em Saltillo, onde também estava a equipa inglesa.

O hotel em Saltillo não era adequado, por não permitir preservar os jogadores da curiosidade de jornalistas nacionais e estrangeiros. O campo de treinos era bera, e os jogos de preparação foram realizados com equipas amadoras locais. Mesmo esses jogos foram descuidados; num deles Diamantino deu mesmo um entrevista dentro do próprio campo de jogo, durante o jogo. Um jogo mais sério contra o Chile estava previsto, mas foi anulado pelo facto dos Chilenos reclamarem um prémio de jogo demasiado elevado. Além disso, havia rumores de actividades sexuais com prostitutas locais, o que terá criado animosidade telefónica com as famílias em Portugal. A autoridade do chefe da delegação portuguesa, Amândio de Carvalho, o vice-presidente federativo, era inexistente, e o presidente Silva Resende estava sempre ausente na cidade do México.

A tensão foi progressivamente aumentando dentro da selecção. Os jogadores ameaçaram fazer greve se os seus prémios de jogo não fossem melhorados. Além disso, os jogadores queixavam-se de serem obrigados a fazer publicidade para empresas (designadamente Adidas e a cerveja Cristal) que tinham contratos com a Federação) sem serem remunerados. A 25 de Maio, os jogadores recusaram treinar. Algumas reivindicações dos jogadores foram retiradas dado que não tinham apoio da opinião pública em Portugal. Mais tarde, certos jogadores treinaram com as camisolas pelo avesso, para evitar fazer publicidade rentável para a Federação.

O primeiro jogo foi contra a Inglaterra. O jogo tinha uma carga emocional profunda. Tinha sido também com a Inglaterra que, 20 anos antes, Portugal tinha perdido o acesso à final de 1966. Carlos Manuel, que havia marcado o golo decisivo contra a Alemanha, nas qualificações, voltou a marcar, e Portugal venceu por 1-0. O jogo aparentemente mais difícil tinha corrido bem.

O jovem Paulo Futre esperava vir a ser a grande revelação do campeonato. Mas o treinador deixava bem claro que não o colocaria na equipa principal, embora o anunciasse como arma secreta. A temível dupla avançada do Porto Futre-Gomes nunca era posta a jogar simultaneamente. Viria saber-se mais tarde que Futre não jogava para se obter um equilíbrio entre os jogadores das diferentes equipas portuguesas e evitar conflitos. Depois, o mítico guarda-redes Bento partiu uma perna durante um treino, possivelmente devido à má qualidade do relvado; Bento nunca mais viria a jogar nem na selecção nem no seu clube, o Benfica. O seu substituto, Damas, também era experiente, mas reagiu mal à responsabilidade acrescida e teve uma depressão.

No segundo jogo, a 7 de Junho, também em Monterrey, Portugal perdeu com a Polónia, uma equipa teoricamente acessível, por 0-1, com golo de Smolarek.Tudo ficava assim guardado para o jogo final do grupo com Marrocos, a 11 de Junho, em Guadalajara. Um empate seria suficiente para garantir a qualificação às duas equipas. Portugal perdeu humilhantemente por 3-1, com golos de Khairi (2) e Krimau. Diamantino marcou para os lusitanos. Portugal foi último do seu grupo e eliminado. O campeonato estava acabado para a equipa portuguesa.

José Torres demitiu-se e foi substituído por Rui Seabra. A maior parte dos que fizeram greve no México foram excluídos dos próximos jogos da selecção, designadamente o apuramento para o Campeonato da Europa de 1988. Durante dois anos, Portugal foi obrigado a jogar com a sua segunda equipa. Os resultados foram péssimos, incluindo um dos piores resultados de sempre, um empate em casa contra Malta. Seabra viria a ser demitido também e substituído por Juca Pereira. A selecção foi progressivamente reconstruída, mas, durante dez anos, Portugal esteve ausente das principais competições internacionais.

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